Artigo do humorista Helio de la Peña, na Folha:
Opinião: Nós estamos vivendo o resultado de uma série de paradoxos
Não se fala em outra coisa, não se escreve sobre outra coisa. Nunca
tantos falaram tanto sem saber o que estão dizendo. Quem afirma algo com
convicção hoje é obrigado a desdizer tudo amanhã.
Temos que tomar cuidado com as certezas absolutas. É preciso entender a mensagem das ruas e ninguém sabe onde fica a tecla SAP.
Se tivesse que arriscar uma síntese para o que está rolando, diria
"chega de caô!". Estamos vivendo o resultado de uma série de paradoxos.
A coisa é tão complexa que temos que agradecer aos prefeitos por não
terem baixado as tarifas de ônibus logo de cara e à truculência da
polícia nos protestos.
Sem essa ajuda, talvez não tivéssemos chegado a esse ponto em que tudo
está sendo posto em xeque. Por R$ 0,20, muitos bilhões desviados estão
sendo denunciados. Escândalos estão sendo desmascarados pela máscara
inspirada em Guy Fawkes, um inglês do século XVII.
Fazia tempo que os estudantes não saíam às ruas. A primeira vez que
participei de um movimento desse tipo foi em 1977, quando foi
ressuscitado o movimento estudantil.
Queríamos reviver a Passeata dos Cem Mil de 1968. A atmosfera foi
parecida, respirávamos democracia no fim da ditadura. Depois voltei às
ruas pela anistia, pelas Diretas Já, pelo impeachment do Collor, entre
outras vezes menos marcantes.
Participei ativamente do movimento estudantil. Embarquei nesse ambiente
político universitário cheio de esperança. Mas testemunhei muita
sujeira.
Os estudantes sendo iludidos por raposas velhas de partidos de esquerda
que faziam uma mímica de democracia, enquanto decidiam tudo em conchavos
na calada da noite.
Era do Partidão e vi bem como era isso. As lideranças se orgulhavam de
conduzir a massa pra onde ela não sabia que queria ir, era o que se
dizia. Lembro do caso de uma mãe procurando pelo filho na PUC do Rio. Ao
encontrar um grupo de estudantes, perguntou: "Vocês conhecem o fulano?
Ele é o líder de vocês...".
Até então acreditávamos no estereótipo do bem e do mal. O bem era a
esquerda, o mal, a direita. A esquerda podia fazer cagadas, manipular
opiniões, até desviar verbas pela causa. "Os fins justificam os meios",
diziam as lideranças progressistas.
Conseguimos, enfim, derrubar a direita e colocar a esquerda no poder. E o
que se viu? A maior sequência de escândalos e corrupção da nossa
história.
Mentiras se repetindo, inimigos chegando a acordos, direita e esquerda
fazendo de tudo para se perpetuarem no poder. Lula, Collor, Sarney,
Dilma, Maluf, todos na mesma mesa de jantar.
Os absurdos são anteriores à era PT, mas foram se acumulando e
continuam. Marco Feliciano na Comissão de Direitos Humanos, Renan na
presidência do Senado, Genuíno, condenado, eleito e legislando sobre a
ação do Judiciário, estádios bilionários construídos em cidades sem time
na primeira divisão, estatísticas maquiando nossa realidade... Até que,
por R$ 0,20, tudo vem à tona.
Ninguém sabe onde isso vai dar. Não se sabe como fazer pra mudar a
situação. Este "foda-se" que sempre deram pra nós agora estamos
devolvendo pra eles.
Vandalismo não é solução, nem violência policial. Qual o próximo passo? A
vontade é tirar todos de todos os cargos. Mas, em algum momento, alguém
terá que representar essa nova mentalidade.
O voto é nossa arma mais poderosa. Não vamos conseguir botar 170 milhões
de pessoas no Palácio do Planalto. E aí vamos ter que confiar que a
sinceridade é possível, que as intenções serão de fato as melhores.
Talvez não seja agora. Não sabemos como nem quando. Queremos acreditar
que um dia vai ser. Por ora, resgatemos a utopia. Já é um grande passo.
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