Minúsculo: PIB deve fechar abaixo de 2% e envergonhar o Governo |
Leiam no Estadão:
'O BRASIL PRECISA DE MENOS INTERVENCIONISMO'
Economista defende mudança radical na condução da política econômica
O economista Persio Arida, um dos mais respeitados do País, defende
uma guinada radical na condução da economia e faz uma proposta para
arrepiar os desenvolvimentistas: "Uma política mais decididamente
liberal e menos intervencionista, mais pró-mercado". Diz que um país
como Brasil, que cobra impostos como se fosse a Inglaterra, mas não
investe quase nada como contrapartida, "está fazendo algo de muito
errado". E mais: acha que o País perdeu seu potencial de crescimento.
A receita de Arida prega que o governo faça tudo ao contrário do que
fez até agora: corte seus gastos, acabe com os subsídios a empresas
privadas, segure os bancos públicos na concessão de crédito, procure
acordos comerciais com os Estados Unidos, Europa e Ásia e esqueça o
Mercosul.
Sócio do banco BTG Pactual, um dos pais do Plano Real (que
estabilizou a economia em 1994) e estrela do governo do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso, Arida fez oposição ao regime militar e foi
preso nos anos 70. Aos 61 anos, diz ter ficado entusiasmado com as
manifestações de junho, que acompanhou pelo noticiário e ao vivo da
janela de seu escritório na Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo,
palco de uma das passeatas. "Confesso que, dado o meu passado, fiquei
com muita vontade de descer. Mas acabei achando que passei da idade para
isso."
A seguir, os principais trechos da entrevista:
O dólar disparou, a economia está parando e a inflação continua alta. A economia desandou?
O Brasil enfrenta uma conjuntura internacional adversa, provocada
pela desaceleração da China e pela normalização da taxa de juros dos
Estados Unidos. O freio de arrumação chinês tem consequências na demanda
por commodities, portanto, afeta os países emergentes. A economia
americana, por sua vez, está em franca recuperação e a taxa de juros de
longo prazo já está subindo. É natural que os capitais refluam para os
Estados Unidos. Os efeitos desses movimentos no Brasil foram
potencializados por uma economia que já vinha fraquejando há algum
tempo. É lamentável constatar isso, mas nossa realidade hoje é de baixo
crescimento estrutural. Os sinais são claros.
Quais são esses sinais?
O crescimento da massa salarial perdeu o vigor, a geração de novos
empregos é cadente, o crédito em bancos privados como proporção do PIB
(Produto Interno Bruto) já está constante há um ano. A expansão de
crédito é feita pelos bancos públicos, que obviamente seguem uma
orientação governamental. Isso é mais preocupante quando se leva em
conta que a política fiscal é expansionista e a taxa de juros estava
baixa. Significa que nem dando muito gás a economia está crescendo.
O que está dando errado?
O potencial de crescimento reflete a situação do País, mas também as
políticas macroeconômicas. Acho que o Brasil teria muito a se beneficiar
de uma menor intervenção estatal na economia, de uma redução dramática
do volume de subsídios às empresas, de uma contração fiscal. Ou seja, da
redução do tamanho do Estado, tirando menos impostos da sociedade e
gastando menos. A abertura comercial também ajudaria muito. Claro que há
entraves diplomáticos, tem Mercosul etc. Mas acho que fazer acordos de
livre comércio com os parceiros comerciais que importam, que são Estados
Unidos, Europa e Ásia, seria mais produtivo do que insistir no caminho
do Mercosul.
Isso é o contrário do que vem acontecendo...
É o contrário da tendência dos últimos anos, com certeza. Mas é um
caminho que o Brasil precisa percorrer. Pense nas manifestações de
junho. Longe de mim querer simplificar esse fenômeno social complexo,
mas a tônica foi a demanda por um Estado mais eficiente. Nosso Estado é
grande, a começar pela carga tributária, a maior entre os países
emergentes. Cobramos impostos como país desenvolvido e entregamos
serviços públicos de país subdesenvolvido.
O sr. chegou a participar das manifestações?
Cheguei a olhar, mas não desci (uma das passeatas passou em frente à
sede do BTG, em São Paulo). Confesso que, dado o meu passado, fiquei com
muita vontade de descer, mas achei que já tinha passado da idade para
isso. Mas, olha, a população brasileira está mais madura para o debate
orçamentário do que as pessoas pensam. O debate antes era muito centrado
no déficit. Hoje se discute também a qualidade do gasto. Uma coisa é
ter um déficit pequeno com o Estado gastando todo seu dinheiro em
subsídios. Outra coisa é ter um déficit pequeno com o Estado gastando
todo seu dinheiro em infraestrutura. As pessoas estão prestando atenção.
Os críticos do governo defendem a troca da equipe econômica,
inclusive do ministro Guido Mantega. O sr. concorda com essa avaliação?
Não cabe a mim avaliar isso. Mas acho que uma política decididamente
mais liberal e menos intervencionista, mais pró-mercado, certamente
aumentaria nosso potencial de crescimento. Isso passa por uma agenda
muito diferente da agenda desenvolvimentista. Por exemplo: o volume de
crédito precisa diminuir dramaticamente, os subsídios do Tesouro, a
empresas ou setores específicos, têm de diminuir. São coisas que parecem
intuitivamente boas, mas na verdade são ruins.
Como o governo pode lidar ao mesmo tempo com o grito das ruas por
mais investimentos, a pressão dos investidores pela redução dos gastos
públicos e as eleições do ano que vem?
A pressão da sociedade não é por mais gastos. É por mais investimento
em infraestrutura e por melhor eficiência na saúde. O problema no
sistema de saúde, assim como na educação, não é que se gaste pouco - é
que se gasta mal. Com relação às pressões orçamentárias típicas de anos
eleitorais, isso não é só uma sina brasileira, os governos geralmente
ampliam gastos nesses períodos.
Vários investidores se dizem apreensivos com o desarranjo das contas
públicas e com o crescente desequilíbrio das contas externas. Corremos o
risco de entrar novamente em crise?
A combinação de uma conjuntura internacional adversa com o fraco
potencial de crescimento do Brasil mais os efeitos da antecipação do
calendário político criaram um ambiente de incerteza muito grande. É
claro que isso tem um efeito ruim sobre a atividade econômica. Você vê
estrangeiros que vendem seus investimentos para repatriar capital, que é
uma das forças que levaram o dólar a subir. Está todo mundo mais
preocupado com seu emprego, com sua renda, em poupar um pouco mais. Tudo
isso diminui a demanda agregada da economia.
Mas podemos entrar em crise ou não?
Olhando os componentes de demanda agregada, o consumo vai se retrair,
o investimento também, gastos de governo ao menos não vão se expandir.
Só vão crescer as exportações líquidas, pelo efeito da taxa de câmbio.
Será que o ganho das exportações compensará a queda de consumo e
investimento? Acho que não, o que significa que o PIB vai crescer menos.
É bom lembrar também que houve uma forte subida da taxa de juros. Acho
difícil escapar à conclusão de que o Brasil vai crescer ainda menos.
Muitos analistas entendem que o governo se perdeu na condução da política econômica. O sr. concorda?
Não sei se perdido é o termo correto. Mas certamente ele não teve
eficácia nas suas tentativas. Os investimentos em infraestrutura, por
exemplo. O governo anunciou as concessões de rodovias, voltou atrás,
anunciou de novo, melhorou as condições... Claramente é um processo em
que não há sintonia entre o que o governo está fazendo e o que os
investidores procuram. Veja as mudanças do quadro regulatório. Algumas
delas foram desastradamente implementadas, como no caso de energia
elétrica. O efeito sobre os investidores é devastador.
Quanto isso afeta?
É difícil para um investidor estrangeiro achar que o caso da energia
elétrica foi um caso isolado e não vai se repetir em outras concessões.
Qualquer que tenha sido a intenção original, o efeito é aumentar a
incerteza sobre a economia brasileira. É ruim porque o que o Brasil mais
precisa hoje é atrair capitais privados para infraestrutura. O País tem
duas rotas de crescimento óbvias e ambas requerem mudanças na política
estatal: uma é criar condições regulatórias para atrair capital privado
para infraestrutura; a outra é diminuir o tamanho do Estado. É preciso
ser duro na política fiscal para baixar juros. A gente tem de viabilizar
inflação baixa e taxas de juros baixa. Os dois.
Houve leniência com a inflação?
É fácil analisar depois. Na prática, desde que o sistema de metas foi
anunciado, a inflação tem ficado muito mais acima da meta do que abaixo
dela. De 1999 para cá, esse é o padrão, o que sugere que o Banco
Central dos últimos três presidentes foi menos duro do que poderia ter
sido na política monetária. Mas isso não é novo. O novo é a inflação
ficar batendo no topo por tanto tempo e o fato de que as expectativas de
inflação estão, digamos, desancoradas. Nesse sentido a situação é pior
do que antes.
Por quê?
Antes, a inflação subia, mas, no longo prazo, as pessoas achavam que
ela ia voltar para a meta. Agora, a inflação subiu e as pessoas não
acham que vai voltar. Tão grave quanto ter deixado a inflação chegar no
topo foi ter deixado as expectativas decolarem e ficarem desancoradas.
Isso vai fazer o trabalho de trazer para a meta muito mais difícil do
que poderia ter sido. Aliás, acho que a meta de 4,5% é muito elevada. O
ideal seria baixar.
Agora? Para quanto?
Agora, não. Mais para a frente. O ideal seria fixar uma meta mais realista, 3% e agir de forma a efetivamente garanti-la.
Dois anos atrás o sr. foi o primeiro economista de peso a defender a redução dos juros...
Continuo gostando de juros baixos. Mas é preciso avaliar o contexto.
Quando a política fiscal é muito expansionista, a taxa de juros tem de
ser alta, para manter a inflação sob controle. Ou então é melhor
desistir de manter a inflação sob controle - não tem mágica. A maneira
de explorar ao máximo o potencial de crescimento da economia brasileira é
viabilizar a taxa de juros baixa. Só que não pode ter inflação.
Mas esse é o problema...
O ponto é que o Brasil precisa reduzir o custo de capital para
crescer. Mas como ter taxa de juros e inflação baixas? O segredo é só
um. Cortar gastos públicos, diminuir impostos e abrir a economia. Um
País como o nosso, que arrecada 36% do PIB, uma taxação inglesa, e
investe só 0,5% do PIB, está fazendo algo de muito errado.
O governo parece convencido disso?
Várias medidas necessárias dependem de vontade política. A mais óbvia
é mudar a lei de indexação do salário mínimo. É uma excrescência: o
mínimo sobe automaticamente com o PIB, em termos reais. Quem ganha
salário mínimo merece ter aumento real, é obvio que sim. Mas o problema
não é esse. É que ele é piso para todas as negociações sindicais. A
economia funciona como se tivesse choques de salário real e indexa as
aposentadorias. Quando o País cresce, o valor real das aposentadorias do
setor público cresce também.
Mas isso é ruim?
O Brasil é o único país que conheço no mundo que dá compulsoriamente
aumento real de pensão para aposentados. No fundo, está tirando renda
dos segmentos ativos da sociedade e transferindo para os aposentados.
Todo mundo tem o direito de se aposentar e ter uma boa renda. Mas ter
aumentos reais automaticamente num país carente como o nosso? Reduzir o
valor real das aposentadorias seria injusto, mas dar aumento automático
também é injusto com os outros que trabalham.
Com que taxa de juros o sr. está trabalhando?
Eu acho que o nível de atividade vai surpreender para baixo, a
inflação também, e a taxa de juros vai ter de subir menos do que se
imagina. Algo entre 9,5% e 10% no máximo.
O sr. está imaginando uma recessão no Brasil?
Recessão, tecnicamente, tem muitas definições diferentes. Com certeza vamos crescer abaixo de 2%. Algo em torno de 1,8%.
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