No Blog do Reinaldo Azevedo:
Viva a oposição! Qualquer oposição de qualquer democracia!
Ficou um pouco longo, mas acho que vocês vão gostar.
*
No texto da madrugada, escrevo sobre a prática antiga de petistas de invadir dados sigilosos — e setores da imprensa, infelizmente, foram “usuários” desse serviço. De fato, o partido não mudou; continua a operar como sempre. Há nisso uma questão de alcance mais geral, que se desdobra na disputa eleitoral que está em curso, que marca os últimos oito da política no Brasil e que pode vir a ser importante no futuro.
O PT nunca se transformou num partido governista, justificador da ordem e do statu quo. Ao contrário: mesmo no poder, continuou na oposição. Já falo a respeito. O PSDB, ao contrário, nunca conseguiu ser oposição; ao longo de oito anos, foi a legenda que encarnou a ordem. Alguém dirá: “Então está tudo certo; continuaram a se opor, a fazer a polarização”. É verdade, mas ambos fora do lugar, com discursos trocados. Explico-me.
No poder federal, o PT não poderia atirar contra si mesmo, é evidente. E os que tentaram fazê-lo acabaram tendo de sair da legenda. Mesmo Marina Silva, com a sua agenda monotemática, não encontrou espaço para seu ambientalismo globalizado e outros substantivos abstratos e adjetivos sonoros que apelam a todas às alturas da, sei lá eu, sustentabilidade holística.
Se não dava para atirar contra si mesmo e se era preciso se manter na oposição, cumpria, então, eleger um governo de plantão que pudesse servir como espantalho. Qual? Ora, o do antecessor imediato: FHC. Não por acaso, os governantes da fase democrática ligados aos descalabros econômicos pré-Real tornaram-se satélites do… petismo! Vejam que notável: foram oito anos da mais acirrada, implacável e inegociável OPOSIÇÃO a um governo que já não existia mais. Não é que o PT conservasse apenas a prática policialesca dos tempos da oposição; conservava também a linguagem.
Assenhoreou-se da narrativa sobre “o outro”: reinventou o passado, reinventou a do próprio PSDB, reinventou a sua própria trajetória, tornou influente e, finalmente, triunfante a sua versão dos fatos. E o antigo governo, nova (nestes oito anos) oposição, ficou no meio do ringue, tomando porrada na cara, inerme, sem reação. Em vez do contra-ataque — ou do ataque, que costuma ser prerrogativa de oposicionistas nas democracias —, deu-se, o que é fabuloso, a fazer ela o “discurso da ordem”. Quando a gente lembra que, em 2003, os petistas queriam derrubar Antonio Palocci, e os tucanos o defendiam com energia no Senado, tem-se uma noção clara desses papéis trocados.
Os tucanos bem que insistiam, e era verdade, no “eles estão seguindo o nosso programa”; “eles não estão mudando nada” e afins. Mas era, obviamente, insuficiente para começar a caracterizar a oposição. Mais do que isso, fazia-se necessária uma denúncia muito dura, firme, clara, da bravata mesmo! E, seguindo o que faz qualquer oposição, apontar o que não funcionava no governo. Acontece que a popularidade de Lula, relativamente alta mesmo no auge do mensalão, começava a intimidar a oposição — que recuou, todo mundo sabe, na hora de fazer o que a Constituição lhe cobrava: deixar que Lula caminhasse para o impeachment. Quando Duda Mendonça confessou que o PT pagara o seu trabalho com milhões de dólares do caixa dois, depositados no exterior, a porta do líder petista ficou bem estreita. É bíblico: quem passa por ela renasce logo à frente.
Poder fabuloso
Antes que prossiga, cumpre notar que o Executivo tem um poder fabuloso no Brasil, quase imperial — na política e, especialmente, na economia. Guardadas, claro, as devidas proporções, um Barack Obama não tem, sobre a massa de recursos dos EUA, o domínio que tem Lula sobre a massa de recursos do Brasil. Só para ilustrar: o presidente americano não conta com a verba bilionária do governo federal e de estatais para cantar as glórias do governo e comprar o apoio de boa parte da “mídia regional”. Mais: os governadores, na verdadeira república federativa que são os EUA, dependem pouco da vontade do poder central, e os congressistas não ficam, de pires, na mão pedindo a liberação de caraminguás para a emenda que vai criar aquela pontezinha sobre o riacho de Xiririca da Serra. Para encerrar: sempre existirá uma sólida “imprensa de oposição”, pouco importa o governo de turno. A coisa é tão curiosa — e saudável! —, que a CNN, simpática aos democratas, ganhou muitos telespectadores durante a campanha de Obama. Eleito o democrata, foi a audiência da Fox News, mais próxima dos republicanos, que disparou.
Quer um governo sempre na rota da democracia? Vigie-o! .
A realidade americana tem, pois, suas particularidades — ou, para ser franco, numa república democrática, nós é que somos muito “particulares”, com nosso Executivo quase absolutista. Mas não e só um Executivo fraco (na comparação com o Brasil ao menos) que faz a diferença na democracia americana, não. Aludindo, com ironia, a um clichê que vem de lá, o que também faz a diferença “é a política, estúpido!”
Os republicanos
Obama foi eleito pelos americanos e pelo mundo, certo? Nunca antes na história do mundo, um governante chegou ao poder cercado de tantas expectativas. Atribuíam-lhe poderes divinos, premonitórios, redentores. E olhem que deu suas escorregadelas na política à moda Terceiro-Mundo, satanizando o adversário mais de uma vez. Pois bem: estava no poder havia 15 dias, e os republicanos deram o grito de guerra. E quem o fez foi o homem mais odiado pela imprensa liberal americana: Dick Cheney.
Sabem o que faziam os republicanos naquela hora? Honravam os votos daquela parcela dos americanos que os elegeu como oposição. Porque, na democracia, é a existência de oposição que legitima o governo.
O resto é história. Veio a reforma da Saúde promovida pelo presidente, que saiu diferente do planejado porque os republicanos não se intimidaram — nem mesmo quando lhes atribuíam uma espécie de “herança maldita” (e olhem que, lá, isso era muito mais verossímil do que aqui). Também mantiveram o confronto em torno do plano de recuperação da economia. Não são pequenas as chances de passarem a ter a maioria na Câmara e no Senado.
Os adversários de Obama não permitiram que outros fossem os autores de sua história. Eles tomaram a iniciativa de contá-la. E não me venham com a cascata de que, nos EUA, a economia prejudica o presidente, enquanto, aqui, ajuda. Isso é fator não mais do que lateral. Reitero: os republicanos deixaram claro que estavam vivos desde o primeiro dia.
De volta ao Brasil
Não estou dando a eleição como favas contadas, não. Mas o quadro é evidentemente difícil para a atual oposição. Aqui e ali, lêem-se especulações sobre como se comportariam o PSDB e o DEM num eventual governo Dilma. Por incrível que pareça, surgem vozes sugerindo que houve erros, sim: o maior deles teria sido, olhem que escândalo!, a prática do confronto. Ou ainda: PSDB e PT precisam parar de polarizar a política e se juntar em benefício dos interesses da pátria. Vale dizer: há quem pense que ainda não se errou o bastante; há quem considere que, caso se dobre a dose do erro, vai se chegar a um acerto. Ora, que Eduardo Campos, governador de Pernambuco, que será reeleito, venha com essa conversa, compreendo. Na oposição, é anúncio de suicídio.
Se Dilma for eleita, quem quer que decida lhe fazer oposição terá de ser, vejam que fabuloso!, OPOSIÇÃO! Sim, claro, claro, o que for bom para o Brasil deve contar com o apoio das pessoas de bem etc. e tal. Como sempre (só petista não segue essa regra quando está fora do poder). A conversa, no entanto, de que será preciso estabelecer uma “interlocução” ou coisa parecida para “defender as reformas de que o Brasil precisa” (essa cascata é de lascar!) só serviria para reforçar o continuísmo e para impedir o surgimento de lideranças com capacidade de enfrentar aquela que seria, então, o rosto de turno da força hegemônica. Se Dilma for eleita, terá tal maioria no Congresso que a oposição não vai lhe fazer falta. Essa oposião não pode é faltar aos milhões que terão resistido ao petismo — e essa será sua contribuição à democracia.
O Brasil precisa de mais democracia, não de menos. E esse regime supõe quem governe e quem vigie o governo; quem tente usar a maioria que alcançou nas urnas para fazer a sua vontade e quem tente, nos marcos da lei, criar empecilhos para que ela se exerça plenamente. Sem isso, governantes podem se tornar déspotas sem dar um tiro; podem fazê-lo por uma espécie de via cartorial. Ou fraudando o que está em cartório, se é que vocês me entendem…
Viva a oposição! Qualquer oposição de qualquer democracia!
Ficou um pouco longo, mas acho que vocês vão gostar.
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No texto da madrugada, escrevo sobre a prática antiga de petistas de invadir dados sigilosos — e setores da imprensa, infelizmente, foram “usuários” desse serviço. De fato, o partido não mudou; continua a operar como sempre. Há nisso uma questão de alcance mais geral, que se desdobra na disputa eleitoral que está em curso, que marca os últimos oito da política no Brasil e que pode vir a ser importante no futuro.
O PT nunca se transformou num partido governista, justificador da ordem e do statu quo. Ao contrário: mesmo no poder, continuou na oposição. Já falo a respeito. O PSDB, ao contrário, nunca conseguiu ser oposição; ao longo de oito anos, foi a legenda que encarnou a ordem. Alguém dirá: “Então está tudo certo; continuaram a se opor, a fazer a polarização”. É verdade, mas ambos fora do lugar, com discursos trocados. Explico-me.
No poder federal, o PT não poderia atirar contra si mesmo, é evidente. E os que tentaram fazê-lo acabaram tendo de sair da legenda. Mesmo Marina Silva, com a sua agenda monotemática, não encontrou espaço para seu ambientalismo globalizado e outros substantivos abstratos e adjetivos sonoros que apelam a todas às alturas da, sei lá eu, sustentabilidade holística.
Se não dava para atirar contra si mesmo e se era preciso se manter na oposição, cumpria, então, eleger um governo de plantão que pudesse servir como espantalho. Qual? Ora, o do antecessor imediato: FHC. Não por acaso, os governantes da fase democrática ligados aos descalabros econômicos pré-Real tornaram-se satélites do… petismo! Vejam que notável: foram oito anos da mais acirrada, implacável e inegociável OPOSIÇÃO a um governo que já não existia mais. Não é que o PT conservasse apenas a prática policialesca dos tempos da oposição; conservava também a linguagem.
Assenhoreou-se da narrativa sobre “o outro”: reinventou o passado, reinventou a do próprio PSDB, reinventou a sua própria trajetória, tornou influente e, finalmente, triunfante a sua versão dos fatos. E o antigo governo, nova (nestes oito anos) oposição, ficou no meio do ringue, tomando porrada na cara, inerme, sem reação. Em vez do contra-ataque — ou do ataque, que costuma ser prerrogativa de oposicionistas nas democracias —, deu-se, o que é fabuloso, a fazer ela o “discurso da ordem”. Quando a gente lembra que, em 2003, os petistas queriam derrubar Antonio Palocci, e os tucanos o defendiam com energia no Senado, tem-se uma noção clara desses papéis trocados.
Os tucanos bem que insistiam, e era verdade, no “eles estão seguindo o nosso programa”; “eles não estão mudando nada” e afins. Mas era, obviamente, insuficiente para começar a caracterizar a oposição. Mais do que isso, fazia-se necessária uma denúncia muito dura, firme, clara, da bravata mesmo! E, seguindo o que faz qualquer oposição, apontar o que não funcionava no governo. Acontece que a popularidade de Lula, relativamente alta mesmo no auge do mensalão, começava a intimidar a oposição — que recuou, todo mundo sabe, na hora de fazer o que a Constituição lhe cobrava: deixar que Lula caminhasse para o impeachment. Quando Duda Mendonça confessou que o PT pagara o seu trabalho com milhões de dólares do caixa dois, depositados no exterior, a porta do líder petista ficou bem estreita. É bíblico: quem passa por ela renasce logo à frente.
Poder fabuloso
Antes que prossiga, cumpre notar que o Executivo tem um poder fabuloso no Brasil, quase imperial — na política e, especialmente, na economia. Guardadas, claro, as devidas proporções, um Barack Obama não tem, sobre a massa de recursos dos EUA, o domínio que tem Lula sobre a massa de recursos do Brasil. Só para ilustrar: o presidente americano não conta com a verba bilionária do governo federal e de estatais para cantar as glórias do governo e comprar o apoio de boa parte da “mídia regional”. Mais: os governadores, na verdadeira república federativa que são os EUA, dependem pouco da vontade do poder central, e os congressistas não ficam, de pires, na mão pedindo a liberação de caraminguás para a emenda que vai criar aquela pontezinha sobre o riacho de Xiririca da Serra. Para encerrar: sempre existirá uma sólida “imprensa de oposição”, pouco importa o governo de turno. A coisa é tão curiosa — e saudável! —, que a CNN, simpática aos democratas, ganhou muitos telespectadores durante a campanha de Obama. Eleito o democrata, foi a audiência da Fox News, mais próxima dos republicanos, que disparou.
Quer um governo sempre na rota da democracia? Vigie-o! .
A realidade americana tem, pois, suas particularidades — ou, para ser franco, numa república democrática, nós é que somos muito “particulares”, com nosso Executivo quase absolutista. Mas não e só um Executivo fraco (na comparação com o Brasil ao menos) que faz a diferença na democracia americana, não. Aludindo, com ironia, a um clichê que vem de lá, o que também faz a diferença “é a política, estúpido!”
Os republicanos
Obama foi eleito pelos americanos e pelo mundo, certo? Nunca antes na história do mundo, um governante chegou ao poder cercado de tantas expectativas. Atribuíam-lhe poderes divinos, premonitórios, redentores. E olhem que deu suas escorregadelas na política à moda Terceiro-Mundo, satanizando o adversário mais de uma vez. Pois bem: estava no poder havia 15 dias, e os republicanos deram o grito de guerra. E quem o fez foi o homem mais odiado pela imprensa liberal americana: Dick Cheney.
Sabem o que faziam os republicanos naquela hora? Honravam os votos daquela parcela dos americanos que os elegeu como oposição. Porque, na democracia, é a existência de oposição que legitima o governo.
O resto é história. Veio a reforma da Saúde promovida pelo presidente, que saiu diferente do planejado porque os republicanos não se intimidaram — nem mesmo quando lhes atribuíam uma espécie de “herança maldita” (e olhem que, lá, isso era muito mais verossímil do que aqui). Também mantiveram o confronto em torno do plano de recuperação da economia. Não são pequenas as chances de passarem a ter a maioria na Câmara e no Senado.
Os adversários de Obama não permitiram que outros fossem os autores de sua história. Eles tomaram a iniciativa de contá-la. E não me venham com a cascata de que, nos EUA, a economia prejudica o presidente, enquanto, aqui, ajuda. Isso é fator não mais do que lateral. Reitero: os republicanos deixaram claro que estavam vivos desde o primeiro dia.
De volta ao Brasil
Não estou dando a eleição como favas contadas, não. Mas o quadro é evidentemente difícil para a atual oposição. Aqui e ali, lêem-se especulações sobre como se comportariam o PSDB e o DEM num eventual governo Dilma. Por incrível que pareça, surgem vozes sugerindo que houve erros, sim: o maior deles teria sido, olhem que escândalo!, a prática do confronto. Ou ainda: PSDB e PT precisam parar de polarizar a política e se juntar em benefício dos interesses da pátria. Vale dizer: há quem pense que ainda não se errou o bastante; há quem considere que, caso se dobre a dose do erro, vai se chegar a um acerto. Ora, que Eduardo Campos, governador de Pernambuco, que será reeleito, venha com essa conversa, compreendo. Na oposição, é anúncio de suicídio.
Se Dilma for eleita, quem quer que decida lhe fazer oposição terá de ser, vejam que fabuloso!, OPOSIÇÃO! Sim, claro, claro, o que for bom para o Brasil deve contar com o apoio das pessoas de bem etc. e tal. Como sempre (só petista não segue essa regra quando está fora do poder). A conversa, no entanto, de que será preciso estabelecer uma “interlocução” ou coisa parecida para “defender as reformas de que o Brasil precisa” (essa cascata é de lascar!) só serviria para reforçar o continuísmo e para impedir o surgimento de lideranças com capacidade de enfrentar aquela que seria, então, o rosto de turno da força hegemônica. Se Dilma for eleita, terá tal maioria no Congresso que a oposição não vai lhe fazer falta. Essa oposião não pode é faltar aos milhões que terão resistido ao petismo — e essa será sua contribuição à democracia.
O Brasil precisa de mais democracia, não de menos. E esse regime supõe quem governe e quem vigie o governo; quem tente usar a maioria que alcançou nas urnas para fazer a sua vontade e quem tente, nos marcos da lei, criar empecilhos para que ela se exerça plenamente. Sem isso, governantes podem se tornar déspotas sem dar um tiro; podem fazê-lo por uma espécie de via cartorial. Ou fraudando o que está em cartório, se é que vocês me entendem…
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