Bomba-relógio armada: tarifas públicas podem pressionar inflação em 2014
Analistas apostam que índice de reajuste de preços administrados vai triplicar no ano que vem
BRASÍLIA - Embora o discurso oficial do governo seja de que o cenário para a inflação será mais favorável em 2014, há forte preocupação nos bastidores com o impacto que os reajustes de tarifas de serviços públicos terão no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do ano que vem. A aposta de analistas e de técnicos da equipe econômica é que a chamada inflação de preços administrados vai subir do patamar atual de 1,5%, ficando entre 4% e 4,5% no ano que vem, por causa de um represamento nos reajustes de tarifas em 2013. Os aumentos foram adiados, principalmente após as manifestações populares de junho. Cálculos da consultoria Tendências apontam uma alta de 4,35% nos preços monitorados, o que deve representar um ponto percentual dos 6% previstos pela consultoria para o IPCA de 2014.
As revisões tarifárias contribuirão para levar a inflação oficial para perto do teto da meta. O objetivo do governo é manter o IPCA em 4,5%, mas há uma margem de tolerância de dois pontos percentuais para cima ou para baixo. Ou seja, o limite máximo é 6,5%. O problema é que a pressão para reajustes de preços de serviços públicos está crescendo num momento em que o governo conta com espaço menor para repetir manobras como as adotadas ao longo deste ano.
Para frear a inflação, a equipe econômica reduziu o custo da energia, adiou reajuste de tarifas de transporte urbano, de pedágios e até da gasolina. Se não fossem esses artifícios, de acordo com especialistas, o Banco Central (BC) teria estourado a meta de inflação já em 2013. Ao segurar essas altas, a equipe econômica empurrou o problema para 2014, ano eleitoral.
IPTU vai subir em grandes capitais
Na última sexta-feira, o governo anunciou um reajuste para os preços dos combustíveis, válidos já a partir de ontem, para desafogar um pouco o caixa da Petrobras, que vem sendo afetado pela defasagem de preços entre os cobrados no exterior e os praticados no mercado interno. A expectativa era de um reajuste entre 5% e 6% para a gasolina e de 10% para o óleo diesel nas refinarias. As correções vieram, porém, abaixo das projeções. O preço da gasolina subiu 4% e o do diesel, 8%. Nas bombas do Rio, para o consumidor, o impacto médio é de 1,8%, ou R$ 0,05 no litro da gasolina. Para evitar impacto na inflação, o governo segurou o reajuste dos combustíveis. Os últimos concedidos foram em janeiro: 6,6% para a gasolina e 5,4% para o diesel. No início de março, o óleo diesel recebeu outra correção de 5%.
O governo Dilma Rousseff ainda terá de lidar com o aumento no IPTU em grandes capitais, como São Paulo e Salvador, que, embora não tenha reflexo direto no índice, aumenta indiretamente os aluguéis de imóveis. Ainda corre o risco de ser obrigado a ligar térmicas para suprir energia elétrica, o que pode deixar a conta de luz mais cara e colaborar para uma alta maior dos preços administrados no ano que vem.
A conta de luz ficou, em média, 20,8% mais barata no país por causa da desoneração feita logo no início do ano. Segundo a economista da consultoria Tendências Alessandra Ribeiro, entretanto, a energia elétrica deve registrar um aumento de 5,31% (para os consumidores residenciais) no ano que vem, e pressionar ainda mais os preços.
- O quadro de 2014 é bem complicado. Mesmo que não haja um choque de alimentos como o que ocorreu em 2013, a inflação será pressionada por uma alta de tarifas que ficaram represadas - argumenta Alessandra. - E por causa do quadro fiscal, o governo não tem mais por onde desonerar para aliviar a alta dos preços, como fez com a energia elétrica.
Nos cálculos da economista, somente o reajuste dos planos de saúde chegará a 8,67% no ano que vem e contribuirá com um aumento de 0,27 ponto percentual no IPCA. Pesarão ainda na inflação de 2014 as altas das tarifas de água e esgoto, ônibus e também dos preços de medicamentos. Muitas dessas pressões já existiam desde o início do ano, mas foram adiadas pelo governo para evitar que a meta de 2013 fosse descumprida.
No Banco Central, os técnicos estão pessimistas com o cenário de 2014 e trabalham com o teto das apostas: uma alta de 4,5% de preços monitorados. O conservadorismo da autarquia reflete um quadro econômico recheado de dúvidas. Há incertezas sobre o tamanho da volatilidade no câmbio, que certamente virá depois que os Estados Unidos retirarem os estímulos da economia.
Outra fonte de preocupação é o ritmo acelerado de aumento de salários no Brasil, que crescem numa velocidade muito maior que a produtividade. Há ainda o alto grau de indexação da economia, problema considerado insolúvel em ano eleitoral.
- E nesse quadro, a gente se pergunta: para onde vão os preços administrados? - questiona uma alta fonte do governo.
O economista-chefe do banco ABC Brasil, Luís Otávio Leal, no entanto, está mais otimista que vários colegas. Prevê que a alta dos preços administrados, que está em torno de 1% este ano, deve ficar em 3% no próximo.
- Não dá para os preços administrados continuarem rodando na casa de 1%. Eles terão que vir para um nível mais normal - afirma Leal, que estima que o IPCA fechará 2014 em 5,8%.
Inflação estaria em 6,52%, estourando a meta
Leal garante que, sem o represamento de tarifas feito pelo governo em 2013, a inflação teria estourado a meta. Para isso, ele faz uma comparação entre o cenário inflacionário de 2012 e o de 2013. No ano passado, a IPCA ficou em 5,84%, sendo que a inflação dos preços livres ficou em 6,54% e a dos preços administrados, em 3,67%. Já em 12 meses até novembro de 2013, o IPCA também está em 5,84%, mas a alta dos preços livres está em 7,37% e a dos preços administrados, em 1,01%.
- Isso significa que, se os preços administrados estivessem no mesmo patamar de 2012 até agora, a inflação estaria em 6,52% (acima do teto da meta, que é de 6,5%) - explicou Leal.
Eduardo Velho, economista-chefe da INVX Global Partners, concorda que sem as manobras do governo a inflação deste ano furaria o teto da meta. Ele lembra, entretanto, que em vários casos as prefeituras são as que mais perdem receita com o represamento de tarifas como as de transporte urbano. Para compensar, elas aumentaram o IPTU, que não tem impacto direto na inflação, mas terá reflexo sobre aluguéis, que também pesarão no bolso dos brasileiros e sobre a inflação.
- O aumento da alíquota e da base de arrecadação do IPTU serve como um substituto compensatório para essas perdas de receita pelo represamento dos preços administrados, pois não teria impacto direto no IPCA - explica Velho.
Para frear os preços, o Banco Central terá que continuar a subir os juros em 2014. Isso porque, além da alta dos administrados, os preços livres já estão com uma inflação num patamar elevado.
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